7 de junio de 2024

Sette persone

 
07:00 Fiz uma lista de quem avisar caso morresse de repente. Apenas sete pessoas (excluindo o advogado). Muito pouco para tanto viver. Em demasia para quem pouco a aproveitou.

09:00 Não consigo escrever mais nada. Nada mais me fascina. Nada mais me atrai. 

10:00 Nada me seduz.

11:00 Destruo algumas cartas (da época que escrevia cartas). Nada de coloca-las na fogueira tal filme dramático. Apenas as fiz em mil pedaços. 

12:00 Ouço a cachorrada latir em desespero. Hora do lixeiro passar correndo. 

13:00 Parei de comer há dias. O meu estômago chora e ronca em intervalos regulares. 

14:00 Esqueci de pagar as contas. O gás, a luz, a água, a internet serão cortadas. Tonto eu porque agora não terei como avisar ninguém.

15:00 O interfone toca. Aos trancos vou até a porta mas só vejo a rua vazia. A esperança é a última que morre.

16:00  Lembrei de um ex colega que desligava a secretária eletrônica porque não suportava descobrir que não haviam recados.

17:00 Ouço The Cranberries.

18:00 Escrever me faz bem. Pena que escreva tão mal.

19:00 Revejo a minha letra nas cartas que sobraram. Quase não dá para entender os garranchos mal desenhados. Há poesia na destruição. Letras grandes e inseguras. Substantivos envelhecidos.

21:00 O meu raciocínio falha e não consigo mais entender a lógica do mundo. Se estou a desabafar ou fazer solilóquios.

22:00 Sou do tempo que falar era mais importante do que escrever. Sou do tempo que adolescente se levava a sério. Que desejava mudar o mundo e não ganhar apenas likes nas redes sociais. Que desafiava os pais e derramava o vinho direto na boca, na calça, na calçada.

23:00 Pouco ou nada tenho a acrescentar. Sei que a minha ausência será sentida. Há sentimentos ainda no mundo? Os meus acordaram disfarçados, embebidos em álcool. Vejo uma criança chorando na janela.

00:00 Durmo sabendo que fiz o possível. Que se falhas ou erros cometi foi porque banquei o estúpido romântico (ou um romântico estúpido?). Digamos que fui mal compreendido, mal interpretado. Que aquilo que escrevi, falei ou senti - eram apenas um desabafo por anos e anos de silenciosa repressão. 

Sabe o soldado que fica horas em posição de sentido, guardando algo que não compreende? Foi assim comigo. Vivi para não entender. Entendi para não viver. 

O rio caudaloso que passa por baixo desta casa - já às escuras - não irá salvar os meus pensamentos obsessivos. A minha incredulidade perante os fatos. O meu desespero frente às carnificina e estupidez dos negacionistas. Só me resta a perplexidade perante a beleza feminina. Quanto desperdiço.

Sou um ser feito de restos de proteína. Feito para se decompor. Que chora por ser fraco e insistir no sofrimento.

A porta se abre e surge algo que não faz nenhum sentido. Uma loira platinada tal Marilyn Monroe chega perto e me oferece ajuda. Sabiamente, lhe peço para fechar o punho e me bater bem forte. Quero morrer em silêncio, inconsciente. Alheio ao passado, sem assumir o presente e muito menos enfrentar o futuro. 

Sai, fecha a porta! Guarda o adeus para outra ocasião. Talvez quando não esteja mais entre os meus, os seus, os nossos. 

Vai, vai logo pois serei pior se ficares! 

E o mau cheiro não te fará bem.


Idealizado em 2022 perto de Lucca - Itália. E elaborado em abril de 2023. Com finalização um ano depois.

1 de mayo de 2024

Manhattan (1979) Official Trailer - Woody Allen, Diane Keaton Movie HD

Quarenta e cinco anos depois, a saga de um homem de meia idade envolto em relacionamentos confusos e autodestrutivos, continua mais atual do que nunca.
E se a vida nas grandes cidades com suas neuroses, violência, conflitos, carros e mais carros, prédios e mais prédios, potencializa tudo que há de ruim - temos que conviver agora com os tribunais de cancelamento das redes sociais que, seguramente, teriam abominado e denunciado o relacionamento de um homem de 45 anos com uma garota de 17. Como se no amor e na desgraça - a lógica funcionasse a contento.
Tempos cruéis os que temos que viver. Mas como diria a garota precoce e madura (que nem de longe lembra os jovens de hoje da Geração Z): “Nem todas as pessoas se corrompem. Você devia confiar mais nas pessoas” 


16 de abril de 2024

Brinquedo (juguete roto)

♫♫♫ Das poucas coisas que eu sei 

uma delas é que você me fez de brinquedo.

Pois aquele beijo não dado saudades deixou.

E se agora somos apenas colegas

é porque você nunca acreditou.

Quantas vezes conversamos, 

quantos emails trocamos, 

não suporto mais esconder que ainda te amo.

Chega aqui e me derruba,

me engana,

Usa e abusa em suaves prestações mensais. 

Tenho pecados que você não perdoa. 

Tenho pensamentos que você ignora.

Chega aqui e me faz de brinquedo.

Melhor viver assim 

do que viver sem sossego ♫♫♫



7 de abril de 2024

Rio de Setembro - MPB


A letra foi de um sonho que tive, vendo a minha amiga Elizah interpretar  uma música ainda não gravada formalmente 
(foi logo depois de ter viajado
pro Rio de Janeiro em setembro 2006).
Elizah depois intercedeu junto ao Marco Antônio de Almeida - músico carioca - que compôs a música e mexeu na letra, mas manteve o mesmo clima. 

Rio de Setembro

1ª versão

Às vezes quando vou pro Rio

demoro horas e horas para juntar todo

o lixo do Leblon.

São garrafas, balas e velhos dobrões.

Guitarras histéricas

ao lado de pessoas que

param o meu andar,

oferecendo desenhos, poemas

e fotos de ocasião.

Sou solidário e não reclamo.

Vejo uma ruiva, jogando bola

e velhos pensam em xadrez.

Os homens são assim

sonham com eles mesmos

enquanto a cidade

vive de ilusão.

Sou feliz, sinto o cheiro do mar,

a luz verde da cidade e o choro de emoção.

Ao lado de um mendigo adormecido na Lagoa, na Lagoa.


2ª versão

Às vezes quando vou pro Rio

demoro horas e horas para juntar todo

o lixo do Leblon.

São velhos dobrões.

garrafas, balas e guitarras histéricas

ao lado de pessoas que

param o meu andar,

oferecendo poemas

desenhos e fotos de ocasião.

Sou solidário e não reclamo,

pois vejo uma ruiva, jogando bola

e velhos pensando em xadrez.

Os homens são assim

sonham com eles mesmos

e pensam estar felizes

enquanto a cidade

vive de ilusão.

Sinto o cheiro do mar,

a luz verde da cidade e o choro de emoção

ao lado de um mendigo adormecido na Lagoa, na Lagoa.


PUBLICADO INICIALMENTE EM 2006

29 de marzo de 2024

Linha 45 A

É bem provável que inadvertidamente tenha feito aniversário. Aniversário de sei lá quantos anos de andar dentro de um ônibus. Dentro e fora dele. Foram anos e anos de viver espremido e de encolher ao máximo, de sufocar, de passa mal, de encoxar, de ser furtado, vilipendiado e de ter perdido o momento certo para descer. 

Anos e anos de ver mulheres bonitas, saias lindas, decotes estonteantes, gente brigando, motorista apanhando e lágrimas mal disfarçadas. 

De dormir, de ficar acordado, de conversas vazias e paisagens repetitivas.

O aperto dentro de um ônibus lotado - apos anos a fio - continua o mesmo. Talvez tenha mudado o tamanho do ônibus, a largura do corredor, a dureza dos bancos, mas a experiência em si continua imutável.

Esperar longos minutos, às vezes por horas, a chegada de um ônibus é degradante. E com chuva, tudo se torna mais depressivo. Mas o pior é quando o motorista passa direto, te ignora, te abandona, te esquece. A sensação que fica é de frustração e tristeza. Você se torna um ser minúsculo, deixado ao relento entre inúmeras pessoas raivosas.

E quando não há o dinheiro suficiente para pagar a passagem e você é obrigado a pedir para descer pela porta da frente? O motorista te olha com uma mistura de desprezo e indignação. Mas como assim? Você ousou subir no meu ônibus sem ter dinheiro para pagar a passagem??!! Vai, desce logo folgado de merda!!

(Motorista, por favor fique atento para que o meu filhinho não passe do ponto. Ele é uma criança tímida, insegura, medrosa e inexperiente. É a primeira vez que anda de ônibus sozinho e, provavelmente, não vai lembrar onde descer quando chegar na cidade. Muito obrigado seu motorista!!)

E assim vai a vida, entre um ônibus e outro, entre subidas e descidas, paradas e chacoalhadas. Quedas e arrependimentos. Xingamentos e bençãos. O ônibus da linha 45 A está vindo aí e preciso parar de escrever.



10 de marzo de 2024

Pobres Criaturas

Há algo em comum entre Anatomia de uma Queda e Pobres Criaturas - uma personagem que nasce esfacelada em termos emocionais ou físicos e que se torna aos poucos em um exemplo de empoderamento feminino. Um final soberbo dentro de um filme irregular que está mais para drama do que comédia. E que apesar de seus defeitos (excesso estilístico, maneirismos, estereótipos...) traz ar fresco e inteligência para um público que lota os cinemas e que está mais acostumado à mediocridade, violência e riso fácil das produções de uma Netflix.


25 de febrero de 2024

ANATOMIA DE UMA QUEDA | Trailer Oficial

Um filme que demanda muita atenção nos diálogos de tão bons que são. E talvez o principal de todos eles seja dentro do Tribunal. Quando o promotor tenta culpar a personagem Sandra por ter escrito no passado um livro sobre uma tentativa de assassinato. Tal a mediocridade do promotor e da plebe em geral quando falamos de ficção nos dias de hoje.
E cabe ressaltar a preciosidade da personagem principal. Uma mulher bissexual, que ao longo do filme se torna cada vez mais e mais masculina, empoderada, independente e bem sucedida. Tudo aquilo que a nossa sociedade machista abomina.


20 de febrero de 2024

Forestella - Despacito

Fiquei de queixo caído quando descobri uma Boy Band Coreana cantando uma música Latina em perfeito Espanhol.
A globalização precisa ter limites asap. Invadir o mercado asiático, europeu, norte-americano, árabe, etc. - no problem. Complicado é quando invadem o nosso tão amado mercado latino-americano. Uma terra de Deuses e Semideuses, que vão de uma Célia Cruz a uma Shakira nos dias de hoje, passando por Marc Anthony, Luis Miguel e JLo, entre tantos outros.

30 de enero de 2024

Cia. Teatro do Incêndio - ÁGUAS QUEIMAM NA ENCRUZILHADA

Um tour de force, uma saga contada em dois atos. A desgraça cotidiana dos explorados contada como se fosse o enredo de uma Escola de Samba.
Soluções cénicas que trazem dinamismo, aumentam a dramaticidade e nos jogam nas ruas do Bixiga.
E o final apoteótico que traz como ápice o desfile da Escola na avenida. Ato que perdoa tudo e traz de volta à vida aqueles que sucumbiram no caminho.
Teatro de primeira, feita por humildes batalhadores da arte popular e que merecem um sincero e emocionante abraço (e parabéns, é claro).


21 de enero de 2024

Death In Venice | Morte em Veneza (1971) - Luchino Visconti

Alquebrado e reprimido em seus sentimentos, Mr. Aschenbach caminha solitário pelas ruas escuras e sujas de Veneza. 
Parece a introdução de um conto de Fernando Sabino ou de Rubem Braga. 
Mas, na verdade, é o retrato de um trágico personagem num filme que se feito fosse hoje, seria apedrejado em praça pública pelos fiscais da moralidade alheia. 
Para os fervorosos membros das patrulhas ideológicas, fieis representantes da Revolução Cultural Chinesa, um velho e decadente compositor não pode apaixonar-se pela beleza física de um adolescente. 
Para eles e para as novas gerações, que adoram cagar regras a torto e direito - a paixão só é valida se compartilhada entre similares. Aquilo que foge aos padrões - merece repúdio, desprezo e o famigerado cancelamento.