É bem provável que inadvertidamente tenha feito aniversário. Aniversário de sei lá quantos anos de andar dentro de um ônibus. Dentro e fora dele. Foram anos e anos de viver espremido e de encolher ao máximo, de sufocar, de passa mal, de encoxar, de ser furtado, vilipendiado e de ter perdido o momento certo para descer.
Anos e anos de ver mulheres bonitas, saias lindas, decotes estonteantes, gente brigando, motorista apanhando e lágrimas mal disfarçadas.
De dormir, de ficar acordado, de conversas vazias e paisagens repetitivas.
O aperto dentro de um ônibus lotado - apos anos a fio - continua o mesmo. Talvez tenha mudado o tamanho do ônibus, a largura do corredor, a dureza dos bancos, mas a experiência em si continua imutável.
Esperar longos minutos, às vezes por horas, a chegada de um ônibus é degradante. E com chuva, tudo se torna mais depressivo. Mas o pior é quando o motorista passa direto, te ignora, te abandona, te esquece. A sensação que fica é de frustração e tristeza. Você se torna um ser minúsculo, deixado ao relento entre inúmeras pessoas raivosas.
E quando não há o dinheiro suficiente para pagar a passagem e você é obrigado a pedir para descer pela porta da frente? O motorista te olha com uma mistura de desprezo e indignação. Mas como assim? Você ousou subir no meu ônibus sem ter dinheiro para pagar a passagem??!! Vai, desce logo folgado de merda!!
(Motorista, por favor fique atento para que o meu filhinho não passe do ponto. Ele é uma criança tímida, insegura, medrosa e inexperiente. É a primeira vez que anda de ônibus sozinho e, provavelmente, não vai lembrar onde descer quando chegar na cidade. Muito obrigado seu motorista!!)
E assim vai a vida, entre um ônibus e outro, entre subidas e descidas, paradas e chacoalhadas. Quedas e arrependimentos. Xingamentos e bençãos. O ônibus da linha 45 A está vindo aí e preciso parar de escrever.