31 de mayo de 2022

ME BEIJA (pequeno conto de inverno revisitado)

 - Me beija.

-  Ela disse de leve: não.

Saio para fora.

E encaro o Inverno, o vento frio, rasgando as minhas narinas.

Um poste ao longe, velho e torto, tenta iluminar a rua estreita cheia de paralelepípedos.

Escura.

Tremo e reflito.

Frio assim só na época da Faculdade.

Quando dormia calçado com sapatos cheios de papel jornal.

Baixo um fino cobertor, chorando que nem criança.

Com saudades do meu pai, da minha mãe.

Repetindo o meu mantra, minha canção de ninar, a toada de uma nota só: 

HOJE RUIM - AMANHÃ MELHOR.

E agora, entre árvores vazias, cercado pela grama branca do campo sulino.

Com lembranças embaralhadas pelas temperaturas negativas.

Nada mais importa. Nada mais faz sentido.

O andar das meninas de Miraflores trai a minha mente.

Fingem não perceber o meu olhar tímido sob uma fina garoa.

Igrejas milenares. 

Uma praça decadente. 

O chafariz semivazio.

Santas meninas brancas de blusas alvas, agasalhos verdes e saias quadriculadas.

Todas riem. 

Riem de mim.

Mulheres são todas iguais - já li por aí.

Não aceito a rejeição, a recusa.

Torno-me obsessivo.

Odeio a falsa indiferença.

E mesmo sabendo de tudo isso, tento, tento de novo.

Nenhuma delas liga se estou a cabular aula. Se estudo de manhã ou à noite. Se estou na Universidade mesmo não tendo idade para tanto. Se consigo ir ao cinema para ver um filme para maiores e sento nos fundos para ninguém notar que estou só.

Caralho! O frio - o meu conhecido de tantos invernos - volta com força e me traz  à realidade de uma noite que ficou mais escura. 

Chegou a hora dos pássaros negros circularem por cima da minha cabeça. De ir embora.

Devo ir embora ou voltar ao lugar donde saí?

Seja qual for. Seja a distância que for. Seja só ou mal acompanhado.

Volto a repetir centenas de vezes:

HOJE RUIM. AMANHÃ MELHOR.

Enquanto sigo a linha do trem. 

Uma linha cheia de curvas que me leva ao nascer do sol.