Historinhas de Amor são como piadas bem contadas: refrescam
a alma, levantam o astral, reconfortam o espírito.
Lembrei-me de uma delas assistindo o outro dia à TV paga. Era
um documentário sobre a banda irlandesa U2 onde soube que numa turnê feita na
década de 90, o guitarrista The Edge apaixonou-se pela bailarina de dança do
ventre que participava de todas as apresentações.
Deve ter sido mais ou menos assim:
Um olhar tímido no início.
Uma troca de palavras no final do show:
- Você esteve ótima!
- Ah obrigada. E você
toca muito bem.
Após duas ou três semanas, um almoço com o resto da banda e mais olhares sendo trocados. Um sorriso maroto. Um flerte inocente. Um beijo de despedida antes de irem todos para o respectivo quarto do Hotel, um leve toque no braço enquanto trocavam ideias no meio dos ensaios, etc, etc.
Assim as semanas foram se passando e eles viajando de cidade
em cidade. Em vôos cansativos que iam de Dublim até Copenhague, de Amsterdã a
Londres, de Berlin a Paris. E por último, Roma: Fãs enlouquecidos, lotação
esgotada, o estádio tomado por jovens quase nus, com suor, luzes, cerveja,
gritos de desespero e muito rock΄n΄roll.
E ao som intenso de “Misterious Ways”, a bailarina toda
vestida a caráter, envolvida em longos véus de tons avermelhados faz a sua
última apresentação perante uma multidão de olhares voltados em direção a ela. Era
o fim de uma turnê bem sucedida.
Logo, a última noite que iriam conviver juntos. Era necessário que The Edge tomasse coragem e buscasse uma forma de falar a sós com ela antes da despedida.
Arrumar uma desculpa, um pretexto qualquer. Bater no quarto e disser, podemos nos ver de novo? Posso te ligar assim que chegar a Londres? Você se importaria em me dar o seu endereço em Nova York?
Bom, sei lá o quê que aconteceu. O que rolou de fato. Mas de concreto sei, ou melhor, todos sabem que eles se casaram após a turnê e agora têm dois lindos filhos.
Mudando o foco e voltando mais algumas décadas no tempo. Uns 60 anos talvez. Lembrei-me de outra Historinha de Amor. Algo mais pessoal. Pois bem, já adulto, fiquei sabendo alguns detalhes sobre o início de namoro entre os meus pais e para mim foi uma espécie de revelação, visto que pouco ou quase nada sabia sobre a história deles. Então tomei ciência que os dois se conheceram trabalhando próximos um do outro, ou melhor, em frente um do outro. A minha mãe vendendo frutas na feira livre e o meu pai atrás de um balcão numa loja de ferragens.
Todo dia, logo cedo, a minha mãe montava a sua banca em
frente à loja dos meus tios onde o meu pai trabalhava. E todo dia às 9 horas, o
meu pai chegava para abrir a loja. E aos poucos, iniciou-se uma relação mais
próxima. Conversas curtas deram lugar a bate-papos mais amistosos.
Por exemplo, comentários sobre a previsão do tempo:
- Será que teremos Sol ou vai ficar o dia todo nublado? (na cidade de Lima é muito raro chover forte).
Foram substituídos por confidencias mais pessoais e intimas:
a minha mãe separada e com dois filhos pequenos para cuidar. O meu pai com 50
anos e com uma família de sete irmãos quase todos solteiros e uma mãe de gênio forte e difícil.
Dia-a-dia, a relação intensificou-se. Os olhares já não eram
tão inocentes. Havia cumplicidade, interesse mútuo. Com o meu pai comprando
diariamente frutas da banca e aproveitando para brincar com os meus irmãos,
levando-lhes sempre pequenas lembranças, um chocolate, um sorvete de inverno,
uma maçã acaramelada, uma pipoca doce.
Mas a relação não foi bem vista pela família do meu pai. Os meus tios não tinham muitas posses, mas tinham orgulho do sobrenome, da reputação. Já imagino a minha avó dizendo:
- Como? Namorar com uma provinciana, separada e com dois
filhos pra cuidar? Só se for por cima do meu cadáver!
Mas como a História não se cansa de provar, contrariar uma paixão não é e nunca foi uma boa estratégia. O meu pai mostrou convicção e firmeza de propósitos. E após discutir com a minha avó - deve ter sido num dia nublado após a hora do almoço com uma leve garoa a incomodar - foi em direção à banca. Escolheu a melhor fruta da estação – no verão as uvas italianas são mais do que deliciosas- e pediu para pesar e no momento de pagar, segurou a mão da minha mãe e pediu para saírem juntos naquela noite.
A minha mãe - fingindo-se de surpresa – retrucou:
- Mas e os meninos?
- Fique tranquila, disse o meu pai. Eles vêm juntos. Podemos
ir à quermesse aqui do bairro onde tem um pequeno carrossel. Eles com certeza
irão adorar.
E assim foi. Entre frutas e pregos. Entre olhares e sorrisos. Entre comentários maldosos, fofocas dos parentes e juras de amor eterno, os meus pais se casaram meses depois. E com o tempo nasceu uma menina e por último o caçula (todo estropiado no ventre da mãe, mas isso é uma outra história).
E agora estou aqui – com liberdade e fascínio pelas palavras-
contando estas duas pequenas Historinhas de Amor.
Março de 2004.
Revisitado em 08/05/20.