9 de julio de 2016

Borboletas no estomâgo

Tudo o que pode dar errado acontece em dias de chuva. E sabedor disso, o sujeito A decide ficar em casa.
Inventa de escrever, mas não sai da primeira linha.
Sem título
Sem meio nem fim.
Sente inveja dos filmes onde o escritor passa por um bloqueio criativo.
E após a crise, da tormenta, a inspiração vem e resolve tudo.
Do nada.
Como se fosse uma dádiva divina
Um prêmio.

Ontem.
Ele esteve perto da casa do sujeito B.
O sol ardido como se ainda fosse verão.
Viu roupas no varal.
Pensou em queimar tudo.
Crianças surgiram brincando.
Timidez é medo.
Ansiedade é pânico.

Luzes da ribalta.
Finge morrer.
Ouve a mesma música milhares de vezes.
Pássaros negros e famintos circulam ao redor.
Toma seus remédios.
Entra em alfa, beta.
Sonhos não se realizam.
Vezes + Vezes.
Faz um workshop de acidez mental.
E os dentes postiços bebem até cair.


"O beijo não dado, saudades deixou."
Palavras não mentem - já dizia a mãe do sujeito A.
Podem tergiversar, inverter a ordem, sumir com o tempo, mas não mentem.
  
Inicia uma carta de amor que ninguém mais lê.
Exibicionismo puro.
Delira, alucina e se vê sendo perseguido por sujeitos C, D e E.
O voyeur aflora.
Imagina o cabelo de ele ser solto por uma lufada.
A nuca branca timidamente some.
Sexo às escondidas.
A penumbra precede a noite.

Afirma ser de esquerda.
Sente orgulho, mas vomita em ideologias.
Não acredita no ser humano.
Misantropo desde criancinha.

A chuva volta a cair - com força.
Retoma a carta inacabada.
De promessas e brigas infantis.
De ligações e e-mails esquecidos.
Procura num cofre a chave de um cofre menor.
E dentro do cofre menor há uma pequena caixa de cetim preto.
Uma aliança cor de carne brilha no escuro.
Um sabor estranho invade sua boca.
Lembranças do sujeito B.
Vontade de definhar e dormir para sempre.

Amanhã.
O dia nublado convida a sair.
O sujeito A, o escritor ou quem maldito seja
decide caminhar.
Passa por ruas onde antigamente haviam rios.
Para em cima de um viaduto.
E na água poluída repara num vulto de vermelho.
A tempestade de ontem fez diversas vítimas.
Vítimas sem nome nem paradeiro.
Conclui que deve ser mais uma que vivia de medo em medo.
Com pensamentos insanos.
E o amor preso na garganta.

A sorte foi deixada para trás há muito tempo.
Não há confissões.
Nem lamentos.
Apenas um crápula, um narrador que se satisfaz com a dor
dos seus.


Poetwittar


26-03-2016