Odete F. C.©

Odete nunca foi de falar muito. E mesmo que quisesse não teria com quem falar. Morava apenas com os pais que saíam logo cedo para cuidar da fazenda vizinha. Praticamente só, a pequena Odete cresceu, cuidando do almoço e da ração dos outros bichos. Limpando a casa, limpando o curral. Colhendo frutas e legumes e semeando a terra dura de doer. A sua única diversão era uma bola de couro surrupiada do pai. Toda estropiada e mal costurada. Suja de barro e outras porcarias. Com ela, a Odete passava todas as tardes. Mesmo com chuva ou sol a pino, a Odete brincava de bola, tomando pra si, o cercado onde convivam galinhas e patos. Um cercado feito de madeira velha e que servia de campinho (reparem que não digo campinho de futebol, pois a Odete não sabia o que era futebol e muito menos que havia regras e tradições a serem seguidas). Dentro do cercado, a Odete pegava a bola e saía a driblar galinhas e patos, ou melhor, jogava um dia no time dos patos e no outro, no time das galinhas, ficando o tempo todo com a bola. Não pelo fato de ser a sua dona mas sim porque suas infelizes companheiras de time, ao invés de participar avidamente do jogo, fugiam toda vez que a bola lhes vinha em cima. Devo admitir, que as galinhas eram mais ágeis enquanto que os patos – duros de cintura – teimavam a ficar entre a bola e as tábuas de madeira. A graça do jogo, consistia em driblar o maior número possível de aves e depois bater a bola na cerca. E quanto mais conseguia bater, mais tempo ela jogava e se divertia. Era drible pra cá, drible pra lá. Dribla um, dribla dois, dribla três e chute na cerca!!! Sorte da Odete, azar dos outros. Vez ou outra, uma galinha ou um pato saía machucado. Era pena e poeira para todo lado. E o galo que detestava o jogo e se achava dono do galinheiro, vivia a reclamar com razão. Piando, cocoricando, ciscando e pulando de madeira em madeira e às vezes fugindo do cercado. Anos se passaram, e começou a faltar comida na casa de Odete. Os pais ficavam o tempo todo em casa, brigando de hora em hora. Mas Odete não desanimou, pois apesar das galinhas e patos começarem a sumir, ela continuava a driblar e chutar. Agora com certo cuidado, afinal havia uma criança entre elas. Era a Berenice recém saída da barriga da mãe e que ficava dentro de um saco de juta pendurada numa estaca no meio do cercado. No fim, restou apenas a Filomena e a Dorotéia, duas craques dos velhos tempos e que agora nem para caldo serviam. Coitada das duas, uma vivia a coxear e a outra de tão idosa, arrastava pelo chão. Mas foi com elas que a Odete decidiu, um dia qualquer, sair pelos campos afora. Cansada de brincar dentro do pequeno cercado, saiu driblando tudo que passava pela frente, com a Berenice nas costas e a Filomena e a Dorotéia, tentando acompanhar o ritmo. O pequeno sítio cada vez mais distante. O sol se pondo. As estrelas surgindo. E ela nada de cansar e parar de driblar. Foi assim que sumiram no horizonte. Odete Futebol Clube, um time dos sonhos.

Comentarios

Unknown ha dicho que…
Belo Gol!

Emilio. Poeta diletante. Homem frustrado. Não leu os clássicos, mas adora Bukowski e Woody Allen.

Emilio. Poeta diletante. Homem frustrado. Não leu os clássicos, mas adora Bukowski e Woody Allen.
"El hombre es la víctima de un medio que se niega a comprender su alma."