24 de marzo de 2012

Tu era afim de mim ou alguma coisa assim?

A pergunta veio de repente. Rápida e atordoante. Sem qualquer cerimônia. Caraca! Perguntas assim precisam de um preâmbulo, de um clima. É como se o escritor de um livro de mistério, revelasse o nome do assassino já no primeiro parágrafo! Mas deixa pra lá. Tanto faz agora. Preciso responder a pergunta e é isso que interessa. Vou falar o quê? Mentir ou falar a verdade. Como vou saber responder algo que aconteceu há 20 anos? Como? Procuro lembrar aquela noite. Vasculho entre lembranças. Era época de férias. Era tímido. Tomei coragem e durante um desfile de rua, convidei-a para sair no dia seguinte. Era carnaval em Santa Maria, isso eu lembro. “A primeira vez, a gente nunca esquece”. Quem inventou isso com certeza tinha menos de 40 anos. Não consigo recordar os detalhes, os motivos. É como se o meu cérebro tivesse entrado em pane, deletado alguns arquivos. Foi um bug, um vírus que apagou a minha memória. 
Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso. 


Do nada, começo a sentir ciúmes do namorado que mal dava atenção pra ela. 
Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso. 


Deduzo que se sinto ciúmes ainda é porque gostava... 


Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso. 


Digo a verdade ou minto. 
Falo que gostava sim e me sujeito a um comentário cruel qualquer, à indiferença? Será que ela sentia algo por mim? Ou talvez diga apenas talvez e reticências.... Ela cansou de esperar. O ícone do MSN mostra que ela agora está indisponível. Foi ao banheiro? Foi atender uma ligação? Agora nada mais importa. Preciso sair também. Deixei uma panela de arroz no fogo e cheira a queimado. Preciso buscar o meu filho na escola, dar comida pro cachorro e retornar uma ligação da minha mulher. 


Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso. 


Levanto da cadeira e estico o corpo. Fiquei tão bêbado aquela noite. Aos poucos, começo a lembrar de certos momentos. Lembro que fui com ela na boate do DCE. Tentei ser agradável, simpático, comunicativo. Demonstrar que era um excelente candidato ao Namorado Perfeito do Ano apesar da minha inexperiência. É de rir, eu sei. Lembrar tudo isso agora me causa estranheza e desconforto. Fiquei tão nervoso que bebi demais. Soda com cachaça. Adorava isso. Qual era o nome mesmo? Porradinha, creio eu. O nome talvez fosse esse porque depois de misturar a soda com a cachaça, era necessário chacoalhar o copo com força, usando a mão, como tampa. Depois era tomar tudo de um gole só e agüentar a “porrada” no estômago. Quanta bobagem!


Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso penso. 


Vou pegar mais uma bebida no balcão. Porradinha para mim, Cyrilinha para ela. No escuro enquanto toca Pavão Misterioso do Ednardo em alto e bom som, garotos e garotas dançam, bebem e gritam. A boate está lotada e depois de pagar pela bebida, tento voltar no meio de tanta gente. Procuro não derrubar nada mas está difícil, pois dezenas de corpos pulam de forma alucinada. Saindo da penumbra, consigo enxergar a minha garota. Ela está embaixo de uma espécie de escada e parece que conversa com alguém. Vejo lentamente que é um rapaz e descubro agoniado que é o namorado que mal dava atenção para ela. E justo hoje, justo agora, ele decide compensar o tempo perdido. Fico estático, o coração parece que encolhe violentamente de tamanho. Fico zonzo e não enxergo mais nada. Saio e encontro a rua. Alguns colegas me cumprimentam mas faço que não é comigo. Continuo a andar. Chego à Rio Branco e depois de muitas voltas pelo calçadão, decido dormir na Casa do Estudante. 


Penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso, penso. 


Volto ao computador e a mim. Começo a digitar: 
Como o vento norte que enche os meus olhos de suor e poeira. Como o minuano que me pega na esquina e me provoca irritação e frio.
Foi assim, repentinamente, que perdi a inocência. 


O meu coração bate a cada dia mais lento. Desligo o PC.

Tenho medo daquele período do dia, pouco antes da tarde virar noite.


Uma história mal resolvida
São 6 horas . E já é escuro lá fora. 
Um vulto toma forma e se aproxima.  É novembro, sinto pelo ar que traz. 
Abre a minha porta e mal tenho tempo de me esconder. 
Enfio-me embaixo de uma velha máquina de costura. Mas ela descobre o meu esconderijo e ri. 
Ri cada vez mais alto. Começo a chorar. Peço perdão. Não quero apanhar. Não quero sofrer. Imploro para que vá embora e leve junto tudo aquilo que escrevi.

Mas ela canta: 
Passado é passado que está morto e enterrado.
Passado é passado que está morto e enterrado.
Passado é passado que está morto e enterrado.

Grito e peço para parar e sair, fechar a porta. Sou um ser químico que cheira mal, digo aos prantos. 
Guardarei apenas comigo as carícias em segredo e basta por hoje. 
Devo dormir e não mais lembrar.

Acordo envolto em lençóis de seda. Acordo com o sol queimando as minhas nádegas. E começo a lembrar de tudo aquilo que deixei para trás. 
Sinto saudades, devo admitir.

Tomo uma ducha fria. Esfrego o meu pênis de criança.
Quero mentir, mas não posso. 
Tenho medo.
Tenho medo da culpa e do castigo.
Tenho medo daquele período do dia, pouco antes da tarde virar noite.

Escrevo na parede um poema insosso:
Risco a sua pele clara e deixo toda colorida as linhas da sua mão. 
Começa a chuva, cai o sinal. E não escuto mais nada.
Continuo o poema dentro do poema. Um poema que se auto-explica. 
Uma metáfora de si mesmo. 
O pintor que desenha um pintor que desenha um pintor que desenha...ad nauseam.

Sinto falta do seu olhar que inventa desculpas.
Das palavras mal-ditas.
Da voz que afina.
Da tatuagem escondida.
E do texto em branco...





21 de marzo de 2012

#QuandoCriançaGostava:

1) Gostava de me esconder nos fundos da loja dos meus tios. E ficar rodeado de caixas e caixas de parafusos e fotos de mulheres nuas
2) Gostava das tirinhas do "Amar é"
3) Petete
4) Condorito
5) El Tony

4 de marzo de 2012

Homem Sensivel?

Não conhecia essa campanha da Jontex. Provavelmente, porque não faça

mais parte do público-alvo. Bacana e criativa. 

Adoro a propaganda que não 

se leva à sério.

Corinthians + Jontex

Lembrei de uma breve discussão sobre preservativos na época da Pós na ESPM. Era um momento delicado devido à ameaça da AIDS em todo lugar. Comentei que não era perfil da Jontex fazer propaganda, pois sexo sem intenção de procriar era pecado e a sociedade conservadora e a igreja eram totalmente contra. Logo, comprar um preservativo era coisa do demo. Mas com a proliferação da AIDS, usar camisinha era mais do que necessário e da noite pro dia, surgiram inúmeros concorrentes a vender segurança e saúde. E a Jontex? Preferiu ficar à espreita, encolhida e tímida. E vinte anos depois, decidiu recuperar o tempo perdido. 
Até camiseta do Corinthians estão patrocinando. Daria um belo case de marketing. Um belo case de miopia em marketing...

Alejandro Sanz - Amiga Mia [MTV Unplugged].wmv

3 de marzo de 2012

Peter Gabriel & Sinéad O'Connor - Don't Give Up (Chile, 1990)

Lisbeth Salander debe vivir - Lisbeth Salander deve viver


He leído 'Millennium' con la felicidad y excitación febril con que de niño leía a Dumas o Dickens. Fantástica. Esta trilogía nos conforta secretamente. Tal vez todo no esté perdido en este mundo imperfecto



POR MARIO VARGAS LLOSA 6 SEP 2009

Comencé a leer novelas a los 10 años y ahora tengo 73. En todo ese tiempo debo haber leído centenares, acaso millares de novelas, releído un buen número de ellas y algunas, además, las he estudiado y enseñado. Sin jactancia puedo decir que toda esta experiencia me ha hecho capaz de saber cuándo una novela es buena, mala o pésima y, también, que ella ha envenenado a menudo mi placer de lector al hacerme descubrir a poco de comenzar una novela sus costuras, incoherencias, fallas en los puntos de vista, la invención del narrador y del tiempo, todo aquello que el lector inocente (el "lector-hembra" lo llamaba Cortázar para escándalo de las feministas) no percibe, lo que le permite disfrutar más y mejor que el lector-crítico de la ilusión narrativa.


Es posible que una novela sea formalmente imperfecta y, al mismo tiempo, excepcional


La novedad es haber invertido los términos y hacer del personaje femenino el ser más activo


Stieg Larsson gana un premio contra la violencia de género ¿A qué viene este preámbulo? A que acabo de pasar unas semanas, con todas mis defensas críticas de lector arrasadas por la fuerza ciclónica de una historia, leyendo los tres voluminosos tomos de Millennium, unas 2.100 páginas, la trilogía de Stieg Larsson, con la felicidad y la excitación febril con que de niño y adolescente leí la serie de Dumas sobre los mosqueteros o las novelas de Dickens y de Victor Hugo, preguntándome a cada vuelta de página "¿Y ahora qué, qué va a pasar?" y demorando la lectura por la angustia premonitoria de saber que aquella historia se iba a terminar pronto sumiéndome en la orfandad. ¿Qué mejor prueba que la novela es el género impuro por excelencia, el que nunca alcanzará la perfección que puede llegar a tener la poesía? Por eso es posible que una novela sea formalmente imperfecta, y, al mismo tiempo, excepcional. Comprendo que a millones de lectores en el mundo entero les haya ocurrido, les esté ocurriendo y les vaya a ocurrir lo mismo que a mí y sólo deploro que su autor, ese infortunado escribidor sueco, Stieg Larsson, se muriera antes de saber la fantástica hazaña narrativa que había realizado.

Repito, sin ninguna vergüenza: fantástica. La novela no está bien escrita (o acaso en la traducción el abuso de jerga madrileña en boca de los personajes suecos suena algo falsa) y su estructura es con frecuencia defectuosa, pero no importa nada, porque el vigor persuasivo de su argumento es tan poderoso y sus personajes tan nítidos, inesperados y hechiceros que el lector pasa por alto las deficiencias técnicas, engolosinado, dichoso, asustado y excitado con los percances, las intrigas, las audacias, las maldades y grandezas que a cada paso dan cuenta de una vida intensa, chisporroteante de aventuras y sorpresas, en la que, pese a la presencia sobrecogedora y ubicua del mal, el bien terminará siempre por triunfar.


La novelista de historias policiales Donna Leon calumnió a Millennium afirmando que en ella sólo hay maldad e injusticia. ¡Vaya disparate! Por el contrario, la trilogía se encuadra de manera rectilínea en la más antigua tradición literaria occidental, la del justiciero, la del Amadís, el Tirante y el Quijote, es decir, la de aquellos personajes civiles que, en vista del fracaso de las instituciones para frenar los abusos y crueldades de la sociedad, se echan sobre los hombros la responsabilidad de deshacer los entuertos y castigar a los malvados. Eso son, exactamente, los dos héroes protagonistas, Lisbeth Salander y Mikael Blomkvist: dos justicieros. La novedad, y el gran éxito de Stieg Larsson, es haber invertido los términos acostumbrados y haber hecho del personaje femenino el ser más activo, valeroso, audaz e inteligente de la historia y de Mikael, el periodista fornicario, un magnífico segundón, algo pasivo pero simpático, de buena entraña y un sentido de la decencia infalible y poco menos que biológico.


¡Qué sería de la pobre Suecia sin Lisbeth Salander, esa hacker querida y entrañable! El país al que nos habíamos acostumbrado a situar, entre todos los que pueblan el planeta, como el que ha llegado a estar más cerca del ideal democrático de progreso, justicia e igualdad de oportunidades, aparece en Los hombres que no amaban a las mujeres, La chica que soñaba con una cerilla y un bidón de gasolina y La reina en el palacio de las corrientes de aire, como una sucursal del infierno, donde los jueces prevarican, los psiquiatras torturan, los policías y espías delinquen, los políticos mienten, los empresarios estafan, y tanto las instituciones y el establishment en general parecen presa de una pandemia de corrupción de proporciones priístas o fujimoristas. Menos mal que está allí esa muchacha pequeñita y esquelética, horadada de colguijos, tatuada con dragones, de pelos puercoespín, cuya arma letal no es una espada ni un revólver sino un ordenador con el que puede convertirse en Dios -bueno, en Diosa-, ser omnisciente, ubicua, violentar todas las intimidades para llegar a la verdad, y enfrentarse, con esa desdeñosa indiferencia de su carita indócil con la que oculta al mundo la infinita ternura, limpieza moral y voluntad justiciera que la habita, a los asesinos, pervertidos, traficantes y canallas que pululan a su alrededor.


La novela abunda en personajes femeninos notables, porque en este mundo, en el que todavía se cometen tantos abusos contra la mujer, hay ya muchas hembras que, como Lisbeth, han conquistado la igualdad y aun la superioridad, invirtiendo en ello un coraje desmedido y un instinto reformador que no suele ser tan extendido entre los machos, más bien propensos a la complacencia y el delito. Entre ellas, es difícil no tener sueños eróticos con Monica Figuerola, la policía atleta y giganta para la que hacer el amor es también un deporte, tal vez más divertido que los aerobics pero no tanto como el jogging. Y qué decir de la directora de la revista Millennium, Erika Berger, siempre elegante, diestra, justa y sensata en todo lo que hace, los reportajes que encarga, los periodistas que promueve, los poderosos a los que se enfrenta, y los polvos que se empuja con su esposo y su amante, equitativamente. O de Susanne Linder, policía y pugilista, que dejó la profesión para combatir el crimen de manera más contundente y heterodoxa desde una empresa privada, la que dirige otro de los memorables actores de la historia, Dragan Armanskij, el dueño de Milton Security.


La novela se mueve por muy distintos ambientes, millonarios, rufianes, jueces, policías, industriales, banqueros, abogados, pero el que está retratado mejor y, sin duda, con conocimiento más directo por el propio autor -que fue reportero profesional- es el del periodismo. La revista Millennium es mensual y de tiraje limitado. Su redacción, estrecha y para el número de personas que trabajan en ella sobran los dedos de una mano. Pero al lector le hace bien, le levanta el ánimo entrar a ese espacio cálido y limpio, de gentes que escriben por convicción y por principio, que no temen enfrentar enemigos poderosísimos y jugarse la vida si es preciso, que preparan cada número con talento y con amor y el sentimiento de estar suministrando a sus lectores no sólo una información fidedigna, también y sobre todo la esperanza de que, por más que muchas cosas anden mal, hay alguna que anda bien, pues existe un órgano de expresión que no se deja comprar ni intimidar, y trata, en todo lo que publica e investiga, de deslindar la verdad entre las sombras y veladuras que la ocultan.


Si uno toma distancia de la historia que cuentan estas tres novelas y la examina fríamente, se pregunta: ¿cómo he podido creer de manera tan sumisa y beata en tantos hechos inverosímiles, esas coincidencias cinematográficas, esas proezas físicas tan improbables? La verosimilitud está lograda porque el instinto de Stieg Larsson resultaba infalible en adobar cada episodio de detalles realistas, direcciones, lugares, paisajes, que domicilian al lector en una realidad perfectamente reconocible y cotidiana, de manera que toda esa escenografía lastrara de realidad y de verismo el suceso notable, la hazaña prodigiosa. Y porque, desde el comienzo de la novela, hay unas reglas de juego en lo que concierne a la acción que siempre se respetan: en el mundo de Millennium lo extraordinario es lo ordinario, lo inusual lo usual y lo imposible lo posible.


Como todas las grandes historias de justicieros que pueblan la literatura, esta trilogía nos conforta secretamente haciéndonos pensar que tal vez no todo esté perdido en este mundo imperfecto y mentiroso que nos tocó, porque, acaso, allá, entre la "muchedumbre municipal y espesa", haya todavía algunos quijotes modernos, que, inconspicuos o disfrazados de fantoches, otean su entorno con ojos inquisitivos y el alma en un puño, en pos de víctimas a las que vengar, daños que reparar y malvados que castigar. ¡Bienvenida a la inmortalidad de la ficción, Lisbeth Salander!






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2 de marzo de 2012

UM JEANS VELHO, SUJO E DESBOTADO.


UM JEANS VELHO, SUJO E DESBOTADO.
Era época da amizade colorida. Do compromisso não assumido.
Da felicidade ingênua.

Fui à Feira do Livro depois da aula. A turma do segundo ano era a responsável pelo evento e tudo indicava que ela estaria por lá numa barraquinha qualquer, atrás de inúmeros livros. Não a achei. Olhei barraca por barraca de forma discreta e dissimulada, pois afinal imaginava que ninguém sabia do meu interesse por ela. Eu, um calouro, afim de uma colega mais velha e sem lugar a dúvidas, a mais bonita de todas.
Fui pego de surpresa. Uma outra colega do 2do ano veio falar comigo e meio que sacando o meu desalento, disse que ela não estava. Viria mais tarde, sei lá. Tentei disfarçar. Falei que estava aí por outros motivos. Buscava certo livro, de um autor X e de uma pequena editora, etc e tal. Não colou. Percebi isso olhando para a minha colega rude e indiscreta que de tanta raiva nem lembro mais o nome dela. Recordo apenas que era gorda, imensa, ou melhor, em termos politicamente corretos, alguém de IMC bem acima do saudável e necessário.
Fugi de lá que nem cusco no meio de uma procissão. Dei voltas e voltas na praça sem saber aonde ir. A Feira do Livro ocupava o miolo central da principal praça da cidade e lembro do pequeno chafariz, que permanecia sempre desligado, sumido entre as barracas vermelhas de refrigerante.
Foi o meu primeiro ano na cidade e não foi fácil a adaptação para quem veio de tão longe. Um novo idioma, um povo diferente e, the last but not the least, mulheres extraordinariamente fora do comum. Parece mentira, mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de ver tanta mulher loira e de olho claro, trabalhando como balconista. Pois, do lugar que eu vim, brancos são elite e com certeza nunca ficariam atrás de um balcão mesmo que fosse para vender ouro e diamantes.
Mas voltando à Feira, depois de muito enrolar ao redor da praça, deduzi pelo roncar do meu estômago que estava na hora de comer ou encher o bucho, melhor dizendo.
Caminhei algumas quadras e cheguei ao restaurante universitário, o famoso RU. A comida não era lá grande coisa, porém para quem vivia com o dinheiro contado, fazia uma grande diferença. O ruim era enfrentar a fila quilométrica e o ideal era chegar bem cedo ou deixar para bem mais tarde. Entrei na fila, dei uma olhada ao redor e não achei ninguém conhecido. Após a refeição e de devolver a bandeja, fui até o centro acadêmico para descansar e ler alguma bobagem.
Uma ou outra estudante no pedaço. Ninguém interessante. Peguei uma velha revista entre panfletos e mais panfletos. Após uma rápida lida voltei a procurar por mais alguma e um panfleto chamou a minha atenção. Era a convocação para uma passeata em frente à Reitoria. Mais uma vez o MEC, apesar do apelo de professores e alunos, havia empossado um Reitor sem qualquer respaldo da comunidade. Os anos de chumbo tinham ficado para trás, mas a intolerância e a rigidez militar ainda tomavam conta do país e de todas as decisões importantes.
Não tendo aula à tarde e entre voltar para o meu cômodo alugado e ver algum movimento, optei pelo segundo.
Dei mais um tempo. Fui ao calçadão olhar as vitrines e as gurias e como não havia nada de especial, entrei na livraria folhear alguns livros. O best seller, o líder de vendas era a autobiografia de tal de Lee Iacoca que entre outras coisas, havia aberto mão do salário para conseguir reerguer a Chrysler. Achei uma idéia bacana, pena que eu não tinha salário nem para conseguir terminar o livro. Quem sabe algum dia.
Bom, chegou a hora da muvuca. Fui à frente da Reitoria em poucos minutos, pois cidade pequena não costuma espalhar seus principais prédios.
Havia pouca gente ainda ou para sermos mais exatos, 4 ou 5 gatos pingados. Todos cabeludos, barbudos, de jeans e camiseta com a bolsa atravessada no peito. Nenhuma garota ou pelo menos nenhuma garota bonita, pois havia um cabeludo que até hoje não sei se era homem ou não.
Sentei numa mureta e esperei. Para tristeza dos organizadores ao invés de chegarem mais estudantes, chegaram sim os brigadianos de capacete e cassetete. Tremi nas bases mas achei melhor esperar mais um pouco. De repente, como se fosse uma canção da Maria Betânia, ela surgiu na multidão. A garota mais bonita da faculdade e por que não de toda a universidade e vai saber, de toda a cidade e redondezas. À frente de um grupo de meninas que carregavam uma faixa xingando o reitor, gritando palavras de ordem e mostrando firmeza no andar.
Se eu já estava tremendo, então quando ela olhou para mim e deu um sorriso de ponta a ponta, caí da mureta e um brigadiano ficou me fitando feio. Fiz de conta que não era comigo e fui devagarzinho, devagarzinho, me esconder atrás de uma pilastra.
Na seqüência das meninas apareceram mais e mais garotos e alguns professores. Vi rostos felizes, rostos que apesar dos tempos ainda difíceis sabiam que valia apena lutar e defender o que achavam justo e correto.
O prédio da reitoria ficou cercado de tanta juventude. As palavras de ordem cada vez mais fortes, mais incisivas e atrevidas. Ninguém arredou pé apesar do aumento no número de policiais. Eu dei um passo atrás para dar dois à frente e me enfiei no meio da multidão.
Ela estava lá, em cima de várias carteiras, gritando ao megafone. As palavras ficaram no tempo, devo admitir. Mas a lembrança dela gritando, suando, com os cabelos escuros cobrindo o rosto e agitando uma camiseta vermelha, é algo que não esqueço até hoje.
Era uma época de sonhos e delírios de grandeza. De se levar tudo a sério. De desejos e fantasias. Sem a ameaça da violência urbana na volta da esquina, dos insidiosos celulares ou da promiscuidade na internet. Havia apenas uma camiseta vermelha e um jeans velho, sujo e desbotado. Um corpo nu, uma cuia de chimarrão, um cobertor amarrotado, um cigarro fino, uma poesia recém escrita.
Penso que o primeiro aviso de estar ficando velho e decadente é quando aparece o saudosismo com força e as palavras ficam repetitivas. Deve ser isso. O saudosismo tomou conta de mim da mesma forma que a guria de cabelos longos e encaracolados, o fez 20 ou 30 anos atrás.
A manifestação, a passeata não deu em nada. De nada adiantou tanta gritaria, tanta baderna, tanto empurra-empurra. O novo reitor recusou-se a receber a comissão de representantes. Fez pouco caso das reivindicações e ficou à frente da reitoria até terminar o seu mandato. Depois veio a abertura, lenta, gradual e segura para alguns poucos.
Terminei a faculdade e decidi cair no mundo, como se diz por aí. Nunca mais a vi, depois daquela noite, e se alguém tiver notícias, por favor me fale. Preciso devolver a camiseta vermelha que ela esqueceu no meu pequeno cômodo junto com o panfleto todo sujo de terra e batom.
Abro a janela para deixar circular o ar dentro de mim. Vejo a cidade após uma pesada chuva. E do nada começo a gritar: Abaixo Valadão, abaixo Valadão... queremos um reitor novo e bonitão...
Abaixo Valadão, abaixo Valadão... queremos um reitor novo e bonitão...
Algumas luzes começam a piscar no prédio em frente.