2 de julio de 2007

Um inverno não tão rigoroso
Sonhei que estava escrevendo uma história. Uma história que se passa na Europa, Alemanha, Leipzig. Sei que tudo gira em torno do inverno. Um rigoroso inverno, onde não havia mais nada do que neve. Neve branca por todos os lados. Sei que difícil de acreditar, afinal vivemos num país tropical, onde neve é coisa de turista. Não há nada comparável, nunca vi nem verei. Foi apenas um sonho. Sonho bissexto. Sonho que se repete. É um pensamento recorrente, como a poesia não terminada, inconclusa. Volto a relembrar do meu sonho. Vejo pessoas encapotadas, vestidas e cobertas até a ponta do nariz. E curiosamente são todos brancos no meio de tanta brancura. Eles me olham de forma estranha. Como se fosse algo fora de lugar, um intruso qualquer. Deve ser porque não estou vestido para a ocasião. Deve ser porque sou mulato, negro, pixaim, preto. Eles me olham e eu olho para eles mas não sinto frio. Tudo não passa de um sonho - não disse? Vejo a catedral de Leipzig e me emociono mas não tenho coragem de entrar. Tenho medo de ser expulso, escorraçado que nem cão sarnento apenas por ser diferente. Decido mudar o meu percurso e subir a colina. Muita gente anda na minha direção. Eu subo e eles descem. Deve ser uma procissão ou algo parecido. Uma manifestação, um protesto talvez. Vejo agora todos eles correndo na minha direção, mas continuo a andar. Quero descer do outro lado e ver se há mais neve. Cansei. Não consigo mais. Quero acordar e ver por onde andei. Começo a sentir frio pela primeira vez. Alguém para e tenta falar comigo. Parece simpático. Parece amigável. Quer trocar um pequeno espelho pelo meu cocar. Eu recuso. Digo que é lembrança de familia. Ele fica contrariado e dentro dos olhos azuis vejo refletir um certo ódio e desprezo. Ele se afasta mas antes lhe pergunto se é sempre tão frio assim. Ele responde que não, pois afinal o inverno não está tão rigoroso assim. A figura some na multidão que continua a correr. Correm em desespero porque o campanário começou a tocar. Uma, duas vezes. Perdi a conta. Apenas sei que o som fica cada vez mais forte e me faz acordar e escrever.