2 de marzo de 2007

Cartas de Amor II

CARTAS DE AMOR II

Acordo. Acordo com medo. Medo de ter feito algo errado, proibido, do pecado.

Acordo confusa. Não sei exatamente o quê que aconteceu.

Sinto dor em todo o corpo e um galo enorme na minha testa. Levanto e vou até o banheiro. Rosto inchado, olhos de ressaca e lágrimas secas.

Aos poucos vou lembrando daquilo que aconteceu. Ele esteve aqui atrás das malditas cartas. Eu falei que não. Ele começou a me agredir, a falar mentiras. Disse que não gostava de mim e de que nunca gostou. Tudo mentira!

Ele gostava sim, as palavras podem mentir, mas aquilo que escreveu, foi sincero sim.

Como um turbilhão, começo a lembrar de cenas passadas. O primeiro dia. Quando ele entrou como estagiário no meu departamento, foi tratado por mim com indiferença, como um estagiário qualquer. Depois, quando ganhou confiança, me trazia um café, oferecia um chocolate, um biscoito recheado. Ninguém no departamento desconfiaria de nada. Afinal, eu tinha na época 35 e ele no máximo 20.

Um ano se passou e comecei a almoçar de vez em quando com ele. Era um papo divertido, descontraído e descompromissado. Não vou negar que aquela energia toda me fazia bem. Recordar dos meus 20 anos era muito bom. E eu sei que não serve como desculpa, mas a minha vida não era das mais intensas. Trabalhar o dia todo e chegar em casa, tendo como único incentivo assistir a novela das oito, era por demais deprimente. O meu marido trabalha à noite num Pronto Socorro e o nosso contato era esporádico e apenas nos fins de semana ou nas folgas.

Bom, aqui estou eu, tentando justificar o acontecido. Como se eu tivesse culpa. E na realidade eu fui uma vitima. Vitima das mentiras e trapaças de um adolescente. No início foram pequenos bilhetes, depois cartões da UNICEF ilustrados e por último, longas cartas, declarando a paixão proibida.

Ele levou tudo. Foi embora e me deixou jogada no sofá, desmaiada e com muita, muita raiva.

Decido sair. Tomar um pouco de ar fresco. Deve ser umas 8 horas. Vou ligar no serviço e falar que estou doente. Vou sair rápido antes que o meu marido chegue do plantão. Lavo o rosto, tiro as manchas, dou umas batidinhas para melhorar as rugas e as olheiras e penteio os cabelos horríveis. Para piorar estou menstruada e preciso trocar o modess e a calcinha. Saio correndo. O dia está lindo com um pálido sol saindo no horizonte. Na minha mente, ouço uma música de Barry Manilow e parece que estou no meu baile de debutante.

Saio pra andar na s redondezas. Vejo rostos conhecidos e outros que nunca vi. Cumprimento alguns e faço de conta que não reconheço outros. Fingimento é comigo mesmo. Finjo que sou feliz no casamento, finjo que gosto daquilo que faço, do meu trabalho, dos meus amigos. O meu discurso é adaptado às circunstâncias e muda de acordo com a minha conveniência. Mas ele não foi assim. Sempre escreveu a verdade e mesmo os poemas requentados, eram sinceros e muito ingênuos. Fugiria com ele. Pegaria no seu braço e sairia correndo. Entraria no primeiro trem. Pularia de pára-quedas e me esconderia numa pequena casa no meio da floresta. Uma casinha de tijolos aparentes, com chaminé, saindo fumaça com cheiro de ambrosia. Dormiria com ele, faria amor e sexo e cada orgasmo seria uma pequena morte. Mas agora ele se foi e não resta nada.

Começo a ficar deprimida mas digo basta e afugento os pensamentos negativos. Vou trabalhar sim! Trabalho num grande Hospital. Cheio de médicos e enfermeiras. Mas a minha função é burocrática. Chefio o departamento de RH. Pego um táxi e peço para me deixar no serviço. Acendo um cigarro. Lembro que não tomei café ainda mas não importa. Preciso emagrecer, ficar bonita.

Entro no Hospital e pego o elevador de serviço. Desço no andar do Berçário. Ando pelos corredores cor de rosa e azul celeste Ao fundo, vejo o grande aquário. As enfermeiras já me conhecem. Digo oi com um sorriso forçado. E paro pra olhar os recém-nascidos. Um deles chama a minha atenção. É pequeno mas se mexe muito. Grita, esperneia, chora, chora muito. Olho pra ele e sinto pena. E começo a chorar.

Saio discretamente. Vou até o café. Enxugo o rosto. Limpo o nariz. Arrumo o cabelo e o vestido e peço um café puro e forte. Enquanto o garçom me serve, pego um guardanapo de papel e começo a escrever:

Entre copos, corpos e porcos-espinhos, te vi. E subitamente descubro o quanto te amava e te odiava, pois apaixonar-se é aprisionar-se.

O garçom volta e deixa o café na mesa. Tomo tudo de um gole só. E fico olhando dentro da pequena xícara. Não restou nada. Apenas uma mancha escura que combina com a marca de batom. Desisto e vou trabalhar. O guardanapo de papel e o poema ficaram em cima da mesa. A caneta que ele me deu, não. Abril 2005.