24 de marzo de 2012

Tenho medo daquele período do dia, pouco antes da tarde virar noite.


Uma história mal resolvida
São 6 horas . E já é escuro lá fora. 
Um vulto toma forma e se aproxima.  É novembro, sinto pelo ar que traz. 
Abre a minha porta e mal tenho tempo de me esconder. 
Enfio-me embaixo de uma velha máquina de costura. Mas ela descobre o meu esconderijo e ri. 
Ri cada vez mais alto. Começo a chorar. Peço perdão. Não quero apanhar. Não quero sofrer. Imploro para que vá embora e leve junto tudo aquilo que escrevi.

Mas ela canta: 
Passado é passado que está morto e enterrado.
Passado é passado que está morto e enterrado.
Passado é passado que está morto e enterrado.

Grito e peço para parar e sair, fechar a porta. Sou um ser químico que cheira mal, digo aos prantos. 
Guardarei apenas comigo as carícias em segredo e basta por hoje. 
Devo dormir e não mais lembrar.

Acordo envolto em lençóis de seda. Acordo com o sol queimando as minhas nádegas. E começo a lembrar de tudo aquilo que deixei para trás. 
Sinto saudades, devo admitir.

Tomo uma ducha fria. Esfrego o meu pênis de criança.
Quero mentir, mas não posso. 
Tenho medo.
Tenho medo da culpa e do castigo.
Tenho medo daquele período do dia, pouco antes da tarde virar noite.

Escrevo na parede um poema insosso:
Risco a sua pele clara e deixo toda colorida as linhas da sua mão. 
Começa a chuva, cai o sinal. E não escuto mais nada.
Continuo o poema dentro do poema. Um poema que se auto-explica. 
Uma metáfora de si mesmo. 
O pintor que desenha um pintor que desenha um pintor que desenha...ad nauseam.

Sinto falta do seu olhar que inventa desculpas.
Das palavras mal-ditas.
Da voz que afina.
Da tatuagem escondida.
E do texto em branco...